
Presidente considera manifestações tentativa de golpe 64e24
Classificados pelo governo do presidente Javier Milei como tentativa de golpe de Estado na Argentina, os protestos que reúnem torcidas organizadas que são rivais históricas prometem trazer um novo capítulo para a história política do país, que tem vivido fortes turbulências nos últimos anos. Especialistas analisam impactos ao podcast Mundioka. 1103q
Em meio àsmedidas tomadas pelo governo Milei para cortar gastos públicos, a Previdência Social é a que mais tem sofrido desde o início do mandato e, também, é indiretamente responsável pelo surgimento de uma nova frente ampla popular que pode mudar o xadrez político da Argentina.
Tudo começou quando o presidente decidiu vetar o reajuste acima da inflação nos salários da aposentadoria, que estavam praticamente congelados e não supriam o mínimo para viver, comoalimentação e aluguel. Nesse combo ainda inclui uma medida que ou a excluir do sistema previdenciário qualquer um que não tivesse contribuído por pelo menos 30 anos, o que deixou mais de 250 mil cidadãos desamparados no país.
Em protesto, um torcedor de um dos times mais tradicionais de Buenos Aires, o Chacarita Juniors, foi até a porta do Congresso vestido com uma camiseta do clube para mostrar indignação com o veto que afetou drasticamente mais de 7 milhões de aposentados do país. De forma brutal e a pedido da presidência, ele foi agredido, e as imagens da situação geraram comoção nacional.
Isso foi a fagulha necessária para fazer com quetorcidas organizadas, inclusive de clubes que são rivais históricos, tomassem as ruas da Argentina em apoio à causa. Do outro lado, como reação ao crescimento desses protestos, o governo argentino chegou a classificar os atos comotentativa de golpe de Estado.
Especialista em relações internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador da Universidade Federal de Goiás (UFG), João Paulo Arrais explicou ao podcast da Sputnik Brasil que, com o enfraquecimento dos sindicatos na Argentina, existia um vácuo de lideranças ou grupos no país capazes de convocar grandes mobilizações.

Em um mandato marcado por dificuldades econômicas que se intensificaram por conta da pandemia da COVID-19, o ex-presidente Alberto Fernandéz, que não disputou na época a reeleição, viu o candidato governista perder para uma figura que até então jamais havia ocupado um cargo político: o economista Javier Milei. Porém, João Paulo Arrais pontua que a população argentina não votou no candidato, mas contra a política econômica da gestão anterior.
“Mas a motosserra do Milei só corta na carne [com suas medidas de corte de gastos] da população carente e desprivilegiada. Ele está conseguindo abaixar o nível de inflação e gerar alguma estabilidade cambial na Argentina, mas a que custo isso tem acontecido?”, questiona.
Os aposentados, inclusive, são um dos grupos sociais que mais têm sofrido com as novas políticas de austeridade, situação que o especialista compara ao que ocorreu no país durante a década de 1990, quando o ex-presidente Carlos Menem tentava dolarizar a economia argentina e recorria aos empréstimos junto aoFundo Monetário Internacional (FMI) para injetar dinheiro de forma artificial no país.
“O que temos hoje é uma comoção nacional com a violência contra os idosos, com as mesmas manifestações que ocorreram no ado. E eu acho que essa agressão vai continuar a aumentar, até porque a Patricia Bullrich [ministra da Segurança], que se dizia ser o lado equilibrado do governo Milei,decretou os manifestantes idosos como terroristas políticos, usando a estratégia de que as barras bravas [como são conhecidas as torcidas organizadas no país] são piqueteiros [termo no país que se refere às manifestações da classe trabalhadora] disfarçados de torcedores políticos, o que é uma grande mentira”, conclui.
Conhecidos como os “cinco grandes”, asmaiores torcidas organizadas da Argentina são ligadas aos clubesBoca Juniors, Independiente, Racing, River Plate e San Lorenzo de Almagro. Apesar da histórica rivalidade no futebol, esses grupos se uniram aos protestos dos últimos dois meses, que têm chamado a atenção de todo o mundo.